Dentre todas as ações que tomamos na vida buscando nos resguardar dos duros golpes que ela nos dá não conseguimos fugir do imprevisível. Após cinco meses de duros treinos e dedicação, abdicando de várias provas menores, de algumas festas familiares e outras coisinhas mais, sofri a dor de ter que desistir do meu objetivo. Vamos aos fatos.
O início
O dia começou perfeito, tempo ideal para a prova, clima agradável, os amigos todos reunidos e melhor, tive o prazer de conhecer pessoalmente meu amigo virtual de Pernambuco - Julio Cordeiro, pena que, por falha minha acabei perdendo-o de vista durante o aquecimento, mesmo assim nosso contato ficou registrado, e outros haverão, com certeza.
Dada a largada eu estava me sentindo muito bem, optei por dividir a prova em três partes de 14km cada uma, estava rodando em uma média de 5min/km um pouco mais talvez e passei o primeiro terço da prova em 1h13mins., o que projetava um bom ritmo para meu alvo de 3h45min. ou no plano B no máximo 3h59min., foi para isso que treinei.
Passei a metade da prova, 21kms em 1h52min., tempo muito bom, mantendo a projeção e melhor, meu corpo respondendo bem.
O imprevisível
No km. 22 aproximadamente, pisei em falso com a perna esquerda, levemente em minha impressão inicial, não sei se foi uma pedrinha ou algo assim, mas não dei importância, senti apenas uma leve dor no tornozelo, mas chegando ao km. 23 senti um fisgada na virilha esquerda, reduzi o ritmo, comecei a prestar atenção, dois quilômetros após, no km. 24 o que era uma pequena fisgada transformou-se numa espécie de caroço e endureceu minha coxa esquerda, no km. 25, já sem ritmo, parei no posto de hidratação, passei gelo, mal conseguia andar, sentei, aguardei 10mins., me senti melhor, retornei à prova, parti para o Plano B, cumprir em 3h59min, já que no plano C eu nem queria pensar.
O calvário
No km. 27, parei novamente, a panturrilha esquerda endureceu totalmente, a perna praticamente paralisou, não dobrava, eu gritei de dor, nunca tinha sentido isso, as pessoas olharam assustadas, um rapaz da assistência médica, com uma bicicleta, parou, me passou um spray na perna, dessa vez eu não podia nem sentar, aguardei, depois caminhei, depois me arrastei. No km. 28, quando deveria passar com 2h26m passei com 2h34m, mas ainda dava.
Em ritmo muito lento segui até o km. 33, ora andando, ora trotando, ainda dava, eu pensava, ainda dava.... No km 35 nova dor muito forte, a cada passo com a perna esquerda a virilha enrijecia, a coxa parecia uma tábua, o joelho começou a doer e pior a perna direita não aguentava mais a compensação do esforço e meu veio forte cãibra e fiquei parado sem me mexer um bom tempo, depois relaxou e prossegui, caminhando, trotando, ainda dava, ainda dava, só o psicológico acreditando, o corpo já não acreditava. No km. 38 parei, desisti, era o fim, sentei e chorei, pois é pessoal, chorei, eram cinco meses de dedicação chegando ao fim, em nenhum momento em todos esses meses eu senti qualquer cãibra, qualquer dor, que não as normais dos treinos, não sei se foi a pisada torta num buraco ou numa pedra, mas desencadeou um processo como nunca senti igual em minha vida, pensei em Deus primeiramente, em minha família que eu não podia decepcionar, em meu amigos pessoais e virtuais, e me levantei e caminhei, caminhei muito, trotei muito, e Deus me mostrou o poder da força de vontade de um homem, um poder que pode remover montanhas, suportar as piores dores e prosseguir. Cheguei ao Km. 42 mais 195 metros, nem em meus momentos mais negativistas sonhei em chegar assim, ao escrever esse post estou muito triste, com algumas lágrimas nos olhos, apesar de tudo cheguei, foram 4h40mins., sendo 1h52min na primeira metade da prova e 2h48min na segunda metade, vejam que diferença, mas cheguei.
O reinício
Cheguei em casa por volta de 15h30min relatei a minha esposa e meus filhos o ocorrido, não vi semblante de tristeza em ninguém, pelo contrário, todos orgulhosos, diziam, o esporte é assim mesmo, muitos grandes também param, se contundem, vc. tem que controlar sua ansiedade, isso prejudica, nós não conseguiríamos nem em 8 horas, etc, etc, etc, ouvi, tomei um banho, comi alguma coisa, ainda eram 18hrs. fui dormir.
Fico pensando nas lições que recebi, fico pensando em quando nos atingirá o imponderável, o imprevisível, não sabemos, ou encaramos a vida de frente guerrendo dia a dia, lutando e não esmorecendo, ou nos entregamos e sairemos dessa vida nos sentindo fracos, covardes até, e isso eu não sou, acho que, de verdade, sou guerreiro, a corrida sempre me ensinou isso nos bons momentos e agora me ensinou muito mais na adversidade.
Me darei de três semanas a um mês de recuperação e terei então outros cinco meses de preparação para a Maratona de Curitiba em 22 de novembro, muito aprendi nesse primeiro semestre de trabalhos, então vamos à luta, que venha o segundo semestre e uma nova Maratona da qual muito me orgulharei em participar. É isso aí.